A população indígena na região do estado de São Paulo



Grande número de pessoas acredita que todos os indígenas existentes nas terras que seriam chamadas de Brasil falavam ou ainda falam uma só língua, a tupi. Isso ocorre porque a maior parte dos indígenas que habitavam o litoral brasileiro na época da chegada dos portugueses em 1500 pertencia ao tronco linguístico tupi. Essa foi a primeira língua com a qual os europeus tiveram contato, tendo em vista a maior parte dos relatos lusitanos da época.

Enquanto a maior parte da população brasileira fala um único idioma, o português, uma parte dela, os indígenas, falavam e falam pelo menos 200 línguas diferentes, e possivelmente tantas outras, ainda desconhecidas.



De modo geral, os grupos indígenas que viviam no Brasil formavam tribos, isto é, grupos de pessoas que possuem a mesma descendência genética e biológica e que habitam uma mesma área, falam a mesma língua e possuem os mesmos costumes. Esse conjunto de semelhanças fazia com que os indígenas das diferentes tribos se reconhecessem entre si e se mantivessem unidos mesmo quando não havia um chefe ou uma autoridade para a tribo.

Os indígenas se organizavam em aldeias independentes, porém podia haver ajuda entre eles para enfrentar situações específicas como a defesa de ataques externos de outras tribos.

Em boa parte das comunidades indígenas os trabalhos eram realizados em cooperação e a divisão de tarefas entre homens e mulheres era bem definida, como ainda ocorre na atualidade.



Para que possamos entender um pouco melhor a forma como os indígenas se organizaram, é de grande importância entender como é a sua relação com o meio ambiente.

Pela extensão da área que ocupavam, bem como pela variedade geográfica e de clima, os indígenas sofreram muitas influências ao longo do tempo, muitos dos seus costumes foram modificados pelo deslocamento das tribos de seu local de origem e são muitas as variações entre os vários grupos.

Podemos dizer que na produção de alimentos os grupos indígenas brasileiros utilizavam – e ainda utilizam – formas bastante diretas e simples de exploração dos recursos da terra que habitavam. Entre elas pode-se citar a pesca, a coleta e a caça. Os indígenas faziam isso à medida que também confeccionavam seus próprios instrumentos de trabalho, tais como armas de caça, armadilhas, canoas, cestas e potes. Além disso, colhiam, transportavam e transformavam seus alimentos.




População indígena na região do estado de São Paulo


 população indígena na região do estado de São Paulo

população indígena na região do estado de São Paulo





A terra de onde podiam extrair os bens necessários para a sobrevivência era apenas o meio para se viver e, portanto, quando os recursos começavam a diminuir, os grupos mudavam de lugar, migravam.

A agricultura, de modo geral, limitava-se a uns poucos produtos, como mandioca-brava, aipim, abóbora, ervilha, cará, pimenta e abacaxi.

Como geralmente todos os indivíduos se dedicavam a todas as atividades, não existia um trabalho ou tarefa que apenas um deles sabia executar, sendo difícil existir produtos a serem trocados ou vendidos entre as pessoas de um mesmo grupo. Assim, não geravam produtos de interesse além do que necessitavam para a própria sobrevivência e desconheciam a prática do comércio. Podia ocorrer a troca de produtos entre tribos diferentes com uma finalidade social, buscando estreitar laços de amizade entre os seus membros.



As guerras entre as tribos eram frequentes em razão dos deslocamentos constantes provocados pela busca de novas terras, pela manutenção ou conquista do domínio exclusivo dos grupos sobre um determinado território ou por rivalidades entre as tribos.

Entre as tribos que já habitavam a América do Sul, antes da chegada dos europeus, havia as de origem tupi-guarani. Essas foram as mais afetadas pela presença dos europeus em suas terras. Mesmo assim, seu legado até hoje permanece vivo em nossa cultura.

Ainda hoje os historiadores não chegaram a um consenso sobre a melhor maneira de separar as principais tribos tupis e também de delimitar a área exata em que cada uma delas ocupava no litoral brasileiro. Mas tupiniquins, tupinambás, tamoios, caetés, potiguaras e tabajaras quase sempre aparecem citadas como as principais tribos tupis.

Muitos costumes dos povos indígenas que viviam nesta região foram relatados em diários de viagens e em tratados de estudo escritos por europeus, que passaram por aqui ou na sua convivência com os vários grupos indígenas.



Hans Staden, um aventureiro alemão que fez diversas viagens ao Brasil no início do século XVI, vindo em embarcações portuguesas e espanholas, em uma dessas viagens foi aprisionado pelos indígenas na região do litoral de São Paulo. Ao regressar à Europa, escreveu um livro relatando como sobreviveu, o tempo que ficou prisioneiro dos tupinambás e o que observou da vida e dos diferentes costumes dos povos indígenas com quem tomou contato.

Segundo Hans Staden, os Tupi do litoral preferiam morar em lugares onde encontravam água, lenha para o fogo, caça e pesca. Quando esgotava o alimento do local, mudavam-se para outro. Construíam grandes cabanas arredondadas, cobertas com palha de palmeira, sem divisória interna, onde moravam várias famílias. Cada uma ficava com um canto da cabana, onde acendia o seu fogo. Em uma aldeia havia cerca de sete cabanas.

Os índios também plantavam suas roças. Derrubavam as árvores e deixavam o local secar. Depois de três meses, tocavam fogo no terreno. Então, plantavam a mandioca.


Índio Paulista


 Índio Paulista

Índio Paulista





Leia um fragmento dessas narrativas de Hans Staden do início do século XVI:


Como eu caminhasse através da selva, levantou-se de ambos os lados do caminho um grande alarido, como é hábito entre os selvagens. Essa gente correu para mim, e reconheci que eram índios. Eles cercaram-me, visaram-me com arcos e flechas, e assetearam-me [feriram-me com seta]. Então exclamei: “Que Deus salve a minha alma”. Mal tinha pronunciado tais palavras, abateram-me ao solo, atirando sobre mim e ferindo-me a chuçadas [usando varas com ponta]. Porém machucaram-me apenas. — Deus seja louvado! — numa perna, rasgando-me, entretanto, as roupas do corpo, um o mantéu [a capa], outro o sombreiro [chapéu de aba larga], um terceiro a camisa, e assim por diante. Começaram então a brigar em torno de mim. Um dizia que havia sido o primeiro a alcançar-me, outro, que me havia aprisionado. Entrementes batiam-me alguns com o arco, e por fim dois ergueram-me do chão, onde jazia inteiramente nu; um agarrou-me um braço; um segundo, o outro; alguns à minha frente, outros atrás, e assim correram eles depressa carregando-me através da mata para o mar, onde estavam as suas canoas. Quando me trouxeram para a praia, vi estacionadas, à distância de um ou dois lanços de pedra, as suas canoas, que eles haviam puxado para a terra, sob um arvoredo. Próximo daí estava ainda um grande número de selvagens, que correram todos ao meu encontro, logo que viram como eu para aí tinha sido trazido. Estavam, como era seu costume, ornados de penas, e mordiam seus braços, a fim de significar a ameaça de que iriam devorar-me. À minha frente ia um chefe com o tacape que empregam para abater os prisioneiros. Discursava e narrava que em mim havia aprisionado e feito escravo a um “peró” — assim chamavam eles aos portugueses — e que agora queria vingar em mim a morte de seus amigos.


STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Tradução: Guiomar de Carvalho Franco. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974. p. 80-81.





Glossário


Tronco linguístico: para facilitar seu estudo, as línguas indígenas são agrupadas pelas semelhanças. São várias as classificações, porém a mais aceita é aquela que divide os índios brasileiros em quatro grandes troncos linguísticos: tupi, jê, nuaruaques e caraíbas. De acordo com essa classificação, existem ainda várias línguas que não têm relação comprovada com nenhum dos troncos citados, como é o caso dos nambiquaras, os guaicurus, os tucanos, entre outros. Entre os índios do grupo tupi, estão os tupiniquins, os tupinambás, os tamoios, os carijós; entre os jês estão os aimorés, os timbiras, os caiapós, os xavantes; entre os caraíbas podemos citar os bacairis e os pimenteiras e, finalmente, entre os nuaruaques estão os aruás, os parecis e os terenas.